CAPÍTULO 3 – A Família
As Imagens da Família
O autor inicia o capítulo abordando uma relação entre uma iconografia profana (não religiosa) na Idade Média (até o final do século XV) e o início do século XVI até o século XVIII- na Idade Moderna: centrando sua análise no desenvolvimento do sentimento de família e em como esse sentimento se desenvolveu durante esse período.
Percebeu-se, que, a “grosso modo”, não houve uma distinção muito rígida entre a iconografia profana e a iconografia religiosa medieval. Segundo o autor, o tema dos ofícios foram a principal representação da vida cotidiana na Idade Média. O que fez o autor concluir que durante muito tempo o ofício (e não a família) foi a principal atividade da vida das pessoas (uma atividade que se associava ao culto funerário e a concepção erudita do mundo medieval-visto nos calendários das catedrais). Foi salientado que as representações mais populares do ofício o liga ao tema das estações (e também ao tema das idades da vida). Segundo o autor a iconografia tradicional da Idade Média “dos 12 meses do ano” foi fixada no século XII (encontrada em Saint-Denis, em Paris, em Senlis, em Chartres, em Amiens, em Reims: os trabalhos e os dias). Essa iconografia é que possibilitou que se percebesse as representações dos trabalhos da terra, as pausas- do inverno e da primavera, tanto nas representações dos trabalhos dos camponeses como dos nobres. Vemos essa iconografia evoluir (no sentido de passar a representar também a família) “ao longo dos livros de horas até o século XVI “. Segundo o autor, quanto mais se avança no tempo durante o século XVI, mais frequentemente a família do senhor de terra é representada entre os camponeses. E, ao mesmo tempo, a rua também surge nos calendários. O autor, nesse sentido faz, durante o texto, uma relação das representações da família (casa) e da rua. No século XV, a rua passou a ocupar seu lugar na iconografia da época (calendários), assim como os jogos (que ocorriam nas ruas- já que os jogos não eram apenas divertimento, e sim uma forma de participação na comunidade). O autor salienta aí uma diferença entre o urbano e o rural –pois durante muito tempo as cenas de inspiração rural ignoraram a rua.
Quanto ao tema da família, e principalmente da criança, foi notado que as representações dos meses e dos anos “introduziram novos personagens”: a mulher, o grupo de vizinhos, os companheiros e a criança – a partir do século XVI. Nesse momento o autor percebeu uma modificação significativa na sociedade da época (já dentro de uma perspectiva moderna) que estava sendo traduzida na iconografia. Tanto que ele afirma que “ao longo do século XVI, a iconografia dos meses se tornaria uma iconografia da família”. A essas representações uniram-se as representações das idades da vida na iconografia da família no século XVI. No século XVI, portanto, surgiu uma nova idéia que simbolizou a duração da vida através da hierarquia familiar. As “idades da vida” passaram a ser representadas dentro de uma família. Daí as representações de momentos e datas familiares – como o casamento, o nascimento, etc.. Os calendários passaram a representar as idades da vida “sob a forma da história de uma família”. Por isso, cada mês representava uma atividade relacionada à família: agosto- era o mês da colheita; outubro- a refeição em família; novembro- o pai está velho e doente; dezembro- a morte do pai- nesse calendário da segunda metade do século XVI, no museu Saint-Raimond, em Toulouse. Portanto, esse calendário citado pelo autor demonstrou um sentimento novo que surgia: o sentimento de família.
Resumindo, o tema da família, na iconografia dos meses, não foi uma exceção. Toda a iconografia sofreu uma evolução nessa direção nos séculos XVI e XVII. Tendência que deslocou a iconografia da Idade Média – basicamente ao ar livre, para a representação da família em sua intimidade – no interior, na vida privada. Daí as ilustrações de estampas e tapeçarias da vida privada dos séculos XVI até o XIX, principalmente na França e na Holanda.
Nos séculos XVI e XVII, outra tendência percebida foram os retratos de família; retratos de doadores que permaneciam nas igrejas ou vitrais de família. Esses retratos de família vão sofrer uma laicização (tornarem-se não religiosos) e tornarem-se basicamente uma demonstração do sentimento de família. No início, a família é mostrada de forma seca, segundo o autor, posteriormente ela passa a ser agrupada de forma que salienta os laços de sangue e os laços que une os familiares. Exemplos de tais retratos são vistos principalmente na França e na Holanda. Essa tendência é vista não só nos retratos, mas na iconografia em geral do século XVII. Como cita o autor, “as velhas alegorias medievais“ passaram a ser tratadas como ilustrações da vida familiar ( sem respeito à tradição iconográfica medieval). Essa iconografia passou também a expressar, nos séculos XVI e XVII, um sentimento de infância – que segundo o autor, é inseparável do sentimento da família. Portanto a análise iconográfica leva a dizer que “o sentimento de família era desconhecido da Idade Média e nasceu nos séculos XV e XVI” – para se expressar definitivamente no século XVII.
Segundo alguns historiadores citados no texto, os laços de sangue formaram dois grupos distintos (e não apenas um): a linhagem e a família. A família, que pode ser comparada a família conjugal moderna de hoje e, a linhagem- todos os descendentes de um mesmo ancestral. De acordo com esses autores, “os progressos de uma provocariam um enfraquecimento da outra”. Daí conclui-se que a família conjugal moderna teria surgido de uma evolução que, no fim da Idade Média, teria enfraquecido a linhagem e a consequente tendência à indivisão do patrimônio (que anteriormente ocorria na maioria das famílias). A linhagem e a indivisão do patrimônio teve sua maior expressão nos séculos IX ao XII na Europa medieval – que significava a agregação prolongada na casa paterna sob autoridade do ancestral dos descendentes desprovidos de pecúlio pessoal e independência. O que caracterizava as “cortes’ para os nobres e a comunidade aldeã para os camponeses. Durante o século XIII, essa situação se modificou (com o aumento de transações mobiliárias e monetárias e com o aumento da segurança pública) – levando ao abandono das indivisões patrimoniais. A indivisão patrimonial foi substituída, a partir de então, pelo direito de progenitura (quando ao filho mais velho é devida a herança ou patrimônio) – aumentando a autoridade paterna e mantendo a integridade do patrimônio.
O autor concluiu que, na Idade Média, o sentimento de linhagem era o único sentimento de caráter familiar conhecido. Esse sentimento (de linhagem) estendeu-se aos laços de sangue sem “levar em conta os valores nascidos da coabitação e da intimidade”- que caracterizariam o sentimento de família.
Uma diferença importante salientada no texto é de que na Idade Média não existia o princípio moderno de santificação da vida leiga (já que na Idade Média o sentimento de linhagem estava ligado à honra, solidariedade entre membros e não era um sentimento religioso). Por isso, a necessidade de uma aproximação do sentimento de família à uma devoção ou a uma religiosidade não diretamente relacionada a uma vocação religiosa. Como citou o autor, “para que uma instituição natural tão ligada à carne como a família se tornasse objeto de uma devoção, essa reabilitação leiga era necessária”.
Nessa perspectiva, o sentimento de família seguiu paralelo à promoção religiosa do leigo (diferentemente do que ocorria com a vocação religiosa na Idade Média). Exemplos dessa religiosidade no âmbito da família passaram a ser freqüentes nos séculos XVI e XVII: iconografias referentes ao batismo (em que as comemorações eram feitas em casa – e não mais em público); nos países do Norte, as festas de São Nicolau (nosso Papai Noel) que se uniram as do menino Jesus; as preces feitas no lar- os “benedicite”; as representações da Sagrada Família; etc.. Esses eventos ilustram o componente religioso do sentimento familiar; que passou a substituir o culto público- já que próprio culto familiar estava associado a essa homenagem rendida à família de Cristo. Os temas religiosos mais presentes na iconografia ligada ao sentimento da família e da infância eram, principalmente, o da Sagrada Família e os temas do Antigo Testamento.
Concluindo, a iconografia dos séculos XVI e XVII nos permitiu verificar o surgimento de um sentimento novo- o sentimento de família. Esse sentimento foi mantido e reforçado por influências semíticas (e não apenas bíblicas) e romanas, segundo o autor. Esse sentimento de família se caracterizou em seu nascimento por estar ligado à religiosidade leiga (e não à vocação religiosa da Idade Média) e a também estar ligado ao sentimento da infância (se afastando cada vez mais do caráter de honra, reputação e ambição ligados ao sentimento de linhagem medieval).
Da Família Medieval à Família Moderna
O autor resumiu na introdução do texto, sobre a passagem da família medieval para a família moderna, que o estudo iconográfico mostrou o novo lugar da família na vida sentimental na Europa nos séculos XVI e XVII. Ele concluiu, também, que houve uma mudança de atitude da família para com a criança. Já que a família se transformou e modificou suas relações internas com a criança. O autor localizou o período tratado de tais modificações na família da seguinte maneira: a família medieval se estendeu até o final do século XV e a família moderna formou-se, como a entendemos hoje, entre os séculos XVI e XVII.
O texto inicia abordando as características da educação infantil na Idade Média. Na Idade Média Ocidental, a aprendizagem se dava através de “contratos de aprendizagem”, em que as crianças eram entregues habitualmente a famílias estranhas para aprenderem ofícios e serviços em geral (sendo a forma como se dava a sua educação na época). Portanto, na Idade Média, toda a educação se transmitia através da aprendizagem – e essa aprendizagem se confundia com o serviço doméstico em geral. Sendo que essa aprendizagem era um hábito difundido em todas as condições sociais e não pertencente a apenas uma camada da sociedade. Logo, a transmissão através da aprendizagem direta de uma geração a outra se diferenciava totalmente da escola como a conhecemos hoje. A transmissão do conhecimento de uma geração para outra possuía duas características: era feita de coisas que se aprendiam com a prática (equitação, armas, serviços domésticos.etc.) e era uma aprendizagem garantida principalmente pela participação familiar das crianças na vida dos adultos. A família era na Idade Média mais uma realidade moral e basicamente social do que sentimental.
O que o autor notou foi que, a partir do século XV, as realidades e os sentimentos da família se transformaram – originando um visível aumento da freqüência escolar. Segundo o autor, a partir do século XV iniciou-se uma substituição da aprendizagem pela escola – ao mesmo tempo que houve também uma aproximação da família e das crianças. A família passou a se construir em torno da criança. Quanto ao “clima sentimental”, ele se tornava mais próximo do nosso, como se “a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola”. Houve, portanto, uma proliferação das escolas, que respondiam a uma necessidade de uma educação teórica (que substituía a antiga prática de aprendizagem) – unindo-se ao novo desejo familiar de manter as crianças mais próximas dos pais. A generalização da escola não se deu de forma rápida e total. A escola se ampliou principalmente nas camadas médias da sociedade (tornando-se efetiva só mais tarde nas classes alta e baixa e entre as meninas). As principais características dessa nova família sentimental moderna foram: igualdade entre os filhos (que resultaria na posterior igualdade do código civil); um sentimento ou clima afetivo e moral graças a uma intimidade entre pais e filhos; o sentimento da “casa”-onde a família nuclear passou a coabitar; assim como os “progressos da vida privada e da intimidade doméstica”.
Finalmente, o autor salientou as mudanças significativas que foram observadas nos “Tratados de Civilidade” bastante comuns até o século XVII. Como principais exemplos desses tratados foram citados os de “civilidade” de Erasmo e do “cortesão” de Castiglione – na segunda metade do século XVII. Nesse período começou a se observar uma maior preocupação com a educação infantil e com a necessidade de “conselhos educativos” – recomendações que eram dirigidas apenas às crianças. E para completar, o autor relacionou as mudanças ocorridas , nos séculos XVI e XVII, na família e na educação, com as modificações que ocorreram na arquitetura e nas habitações da época.
As principais características dessa família sentimental moderna que surgiu nos séculos XVI e XVII foram: a igualdade entre os filhos; a volta das crianças ao lar (principalmente com o surgimento e a proliferação das escolas); a valorização da vida privada e a separação da família do mundo e sua oposição à sociedade; e por último, o sentimento da casa.
As Imagens da Família
O autor inicia o capítulo abordando uma relação entre uma iconografia profana (não religiosa) na Idade Média (até o final do século XV) e o início do século XVI até o século XVIII- na Idade Moderna: centrando sua análise no desenvolvimento do sentimento de família e em como esse sentimento se desenvolveu durante esse período.
Percebeu-se, que, a “grosso modo”, não houve uma distinção muito rígida entre a iconografia profana e a iconografia religiosa medieval. Segundo o autor, o tema dos ofícios foram a principal representação da vida cotidiana na Idade Média. O que fez o autor concluir que durante muito tempo o ofício (e não a família) foi a principal atividade da vida das pessoas (uma atividade que se associava ao culto funerário e a concepção erudita do mundo medieval-visto nos calendários das catedrais). Foi salientado que as representações mais populares do ofício o liga ao tema das estações (e também ao tema das idades da vida). Segundo o autor a iconografia tradicional da Idade Média “dos 12 meses do ano” foi fixada no século XII (encontrada em Saint-Denis, em Paris, em Senlis, em Chartres, em Amiens, em Reims: os trabalhos e os dias). Essa iconografia é que possibilitou que se percebesse as representações dos trabalhos da terra, as pausas- do inverno e da primavera, tanto nas representações dos trabalhos dos camponeses como dos nobres. Vemos essa iconografia evoluir (no sentido de passar a representar também a família) “ao longo dos livros de horas até o século XVI “. Segundo o autor, quanto mais se avança no tempo durante o século XVI, mais frequentemente a família do senhor de terra é representada entre os camponeses. E, ao mesmo tempo, a rua também surge nos calendários. O autor, nesse sentido faz, durante o texto, uma relação das representações da família (casa) e da rua. No século XV, a rua passou a ocupar seu lugar na iconografia da época (calendários), assim como os jogos (que ocorriam nas ruas- já que os jogos não eram apenas divertimento, e sim uma forma de participação na comunidade). O autor salienta aí uma diferença entre o urbano e o rural –pois durante muito tempo as cenas de inspiração rural ignoraram a rua.
Quanto ao tema da família, e principalmente da criança, foi notado que as representações dos meses e dos anos “introduziram novos personagens”: a mulher, o grupo de vizinhos, os companheiros e a criança – a partir do século XVI. Nesse momento o autor percebeu uma modificação significativa na sociedade da época (já dentro de uma perspectiva moderna) que estava sendo traduzida na iconografia. Tanto que ele afirma que “ao longo do século XVI, a iconografia dos meses se tornaria uma iconografia da família”. A essas representações uniram-se as representações das idades da vida na iconografia da família no século XVI. No século XVI, portanto, surgiu uma nova idéia que simbolizou a duração da vida através da hierarquia familiar. As “idades da vida” passaram a ser representadas dentro de uma família. Daí as representações de momentos e datas familiares – como o casamento, o nascimento, etc.. Os calendários passaram a representar as idades da vida “sob a forma da história de uma família”. Por isso, cada mês representava uma atividade relacionada à família: agosto- era o mês da colheita; outubro- a refeição em família; novembro- o pai está velho e doente; dezembro- a morte do pai- nesse calendário da segunda metade do século XVI, no museu Saint-Raimond, em Toulouse. Portanto, esse calendário citado pelo autor demonstrou um sentimento novo que surgia: o sentimento de família.
Resumindo, o tema da família, na iconografia dos meses, não foi uma exceção. Toda a iconografia sofreu uma evolução nessa direção nos séculos XVI e XVII. Tendência que deslocou a iconografia da Idade Média – basicamente ao ar livre, para a representação da família em sua intimidade – no interior, na vida privada. Daí as ilustrações de estampas e tapeçarias da vida privada dos séculos XVI até o XIX, principalmente na França e na Holanda.
Nos séculos XVI e XVII, outra tendência percebida foram os retratos de família; retratos de doadores que permaneciam nas igrejas ou vitrais de família. Esses retratos de família vão sofrer uma laicização (tornarem-se não religiosos) e tornarem-se basicamente uma demonstração do sentimento de família. No início, a família é mostrada de forma seca, segundo o autor, posteriormente ela passa a ser agrupada de forma que salienta os laços de sangue e os laços que une os familiares. Exemplos de tais retratos são vistos principalmente na França e na Holanda. Essa tendência é vista não só nos retratos, mas na iconografia em geral do século XVII. Como cita o autor, “as velhas alegorias medievais“ passaram a ser tratadas como ilustrações da vida familiar ( sem respeito à tradição iconográfica medieval). Essa iconografia passou também a expressar, nos séculos XVI e XVII, um sentimento de infância – que segundo o autor, é inseparável do sentimento da família. Portanto a análise iconográfica leva a dizer que “o sentimento de família era desconhecido da Idade Média e nasceu nos séculos XV e XVI” – para se expressar definitivamente no século XVII.
Segundo alguns historiadores citados no texto, os laços de sangue formaram dois grupos distintos (e não apenas um): a linhagem e a família. A família, que pode ser comparada a família conjugal moderna de hoje e, a linhagem- todos os descendentes de um mesmo ancestral. De acordo com esses autores, “os progressos de uma provocariam um enfraquecimento da outra”. Daí conclui-se que a família conjugal moderna teria surgido de uma evolução que, no fim da Idade Média, teria enfraquecido a linhagem e a consequente tendência à indivisão do patrimônio (que anteriormente ocorria na maioria das famílias). A linhagem e a indivisão do patrimônio teve sua maior expressão nos séculos IX ao XII na Europa medieval – que significava a agregação prolongada na casa paterna sob autoridade do ancestral dos descendentes desprovidos de pecúlio pessoal e independência. O que caracterizava as “cortes’ para os nobres e a comunidade aldeã para os camponeses. Durante o século XIII, essa situação se modificou (com o aumento de transações mobiliárias e monetárias e com o aumento da segurança pública) – levando ao abandono das indivisões patrimoniais. A indivisão patrimonial foi substituída, a partir de então, pelo direito de progenitura (quando ao filho mais velho é devida a herança ou patrimônio) – aumentando a autoridade paterna e mantendo a integridade do patrimônio.
O autor concluiu que, na Idade Média, o sentimento de linhagem era o único sentimento de caráter familiar conhecido. Esse sentimento (de linhagem) estendeu-se aos laços de sangue sem “levar em conta os valores nascidos da coabitação e da intimidade”- que caracterizariam o sentimento de família.
Uma diferença importante salientada no texto é de que na Idade Média não existia o princípio moderno de santificação da vida leiga (já que na Idade Média o sentimento de linhagem estava ligado à honra, solidariedade entre membros e não era um sentimento religioso). Por isso, a necessidade de uma aproximação do sentimento de família à uma devoção ou a uma religiosidade não diretamente relacionada a uma vocação religiosa. Como citou o autor, “para que uma instituição natural tão ligada à carne como a família se tornasse objeto de uma devoção, essa reabilitação leiga era necessária”.
Nessa perspectiva, o sentimento de família seguiu paralelo à promoção religiosa do leigo (diferentemente do que ocorria com a vocação religiosa na Idade Média). Exemplos dessa religiosidade no âmbito da família passaram a ser freqüentes nos séculos XVI e XVII: iconografias referentes ao batismo (em que as comemorações eram feitas em casa – e não mais em público); nos países do Norte, as festas de São Nicolau (nosso Papai Noel) que se uniram as do menino Jesus; as preces feitas no lar- os “benedicite”; as representações da Sagrada Família; etc.. Esses eventos ilustram o componente religioso do sentimento familiar; que passou a substituir o culto público- já que próprio culto familiar estava associado a essa homenagem rendida à família de Cristo. Os temas religiosos mais presentes na iconografia ligada ao sentimento da família e da infância eram, principalmente, o da Sagrada Família e os temas do Antigo Testamento.
Concluindo, a iconografia dos séculos XVI e XVII nos permitiu verificar o surgimento de um sentimento novo- o sentimento de família. Esse sentimento foi mantido e reforçado por influências semíticas (e não apenas bíblicas) e romanas, segundo o autor. Esse sentimento de família se caracterizou em seu nascimento por estar ligado à religiosidade leiga (e não à vocação religiosa da Idade Média) e a também estar ligado ao sentimento da infância (se afastando cada vez mais do caráter de honra, reputação e ambição ligados ao sentimento de linhagem medieval).
Da Família Medieval à Família Moderna
O autor resumiu na introdução do texto, sobre a passagem da família medieval para a família moderna, que o estudo iconográfico mostrou o novo lugar da família na vida sentimental na Europa nos séculos XVI e XVII. Ele concluiu, também, que houve uma mudança de atitude da família para com a criança. Já que a família se transformou e modificou suas relações internas com a criança. O autor localizou o período tratado de tais modificações na família da seguinte maneira: a família medieval se estendeu até o final do século XV e a família moderna formou-se, como a entendemos hoje, entre os séculos XVI e XVII.
O texto inicia abordando as características da educação infantil na Idade Média. Na Idade Média Ocidental, a aprendizagem se dava através de “contratos de aprendizagem”, em que as crianças eram entregues habitualmente a famílias estranhas para aprenderem ofícios e serviços em geral (sendo a forma como se dava a sua educação na época). Portanto, na Idade Média, toda a educação se transmitia através da aprendizagem – e essa aprendizagem se confundia com o serviço doméstico em geral. Sendo que essa aprendizagem era um hábito difundido em todas as condições sociais e não pertencente a apenas uma camada da sociedade. Logo, a transmissão através da aprendizagem direta de uma geração a outra se diferenciava totalmente da escola como a conhecemos hoje. A transmissão do conhecimento de uma geração para outra possuía duas características: era feita de coisas que se aprendiam com a prática (equitação, armas, serviços domésticos.etc.) e era uma aprendizagem garantida principalmente pela participação familiar das crianças na vida dos adultos. A família era na Idade Média mais uma realidade moral e basicamente social do que sentimental.
O que o autor notou foi que, a partir do século XV, as realidades e os sentimentos da família se transformaram – originando um visível aumento da freqüência escolar. Segundo o autor, a partir do século XV iniciou-se uma substituição da aprendizagem pela escola – ao mesmo tempo que houve também uma aproximação da família e das crianças. A família passou a se construir em torno da criança. Quanto ao “clima sentimental”, ele se tornava mais próximo do nosso, como se “a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola”. Houve, portanto, uma proliferação das escolas, que respondiam a uma necessidade de uma educação teórica (que substituía a antiga prática de aprendizagem) – unindo-se ao novo desejo familiar de manter as crianças mais próximas dos pais. A generalização da escola não se deu de forma rápida e total. A escola se ampliou principalmente nas camadas médias da sociedade (tornando-se efetiva só mais tarde nas classes alta e baixa e entre as meninas). As principais características dessa nova família sentimental moderna foram: igualdade entre os filhos (que resultaria na posterior igualdade do código civil); um sentimento ou clima afetivo e moral graças a uma intimidade entre pais e filhos; o sentimento da “casa”-onde a família nuclear passou a coabitar; assim como os “progressos da vida privada e da intimidade doméstica”.
Finalmente, o autor salientou as mudanças significativas que foram observadas nos “Tratados de Civilidade” bastante comuns até o século XVII. Como principais exemplos desses tratados foram citados os de “civilidade” de Erasmo e do “cortesão” de Castiglione – na segunda metade do século XVII. Nesse período começou a se observar uma maior preocupação com a educação infantil e com a necessidade de “conselhos educativos” – recomendações que eram dirigidas apenas às crianças. E para completar, o autor relacionou as mudanças ocorridas , nos séculos XVI e XVII, na família e na educação, com as modificações que ocorreram na arquitetura e nas habitações da época.
As principais características dessa família sentimental moderna que surgiu nos séculos XVI e XVII foram: a igualdade entre os filhos; a volta das crianças ao lar (principalmente com o surgimento e a proliferação das escolas); a valorização da vida privada e a separação da família do mundo e sua oposição à sociedade; e por último, o sentimento da casa.